4.6.07

Opressão

É um estado de espírito que ninguém entende. Vejo nas costas voltadas os cabelos soltos de desdém, os olhares escondidos que espreitam pelo canto do olho. Miram devagar, perscutando cada gesto frágil meu. E, de pedregulho preso entre os dedos, escolhem o momento adequado para o largarem sobre mim. E fere e sangra e amachuca. Mas sabe bem lançar uma a uma num suplício que em tudo é igual ao circo romano, onde a degradação humana se mascara de moral e valores e muitos mais argumentos insanos. Detém a verdade quem se julga maior que deus, maior que todas as transcendências do universo que nos reduz a nada. No entanto, ali, a pedra vai corroendo a pele, os ossos, a alma, e deus ri, lépido. Lambe os beiços de olhos arregalados. Tem a sede satisfeita, porque lhe sabe bem sentar no trono que legou a si mesmo. É rei supremo sentado, sóbrio, na sua poltrona tingida a púrpura, que se desfaz sob as suas unhas extasiadas de regalo. Ah, dor! Ah, sangue! Ah, grito! Seco, surdo, embaciado pelas suas crises de riso satírico. O grito ecoa na minha mente torturada e as pedras vão cobrindo-me o queixo, as bochechas, as orelhas, o nariz, os olhos. Foram segundos de chacina psicológica que duraram 50 anos. Deus limpa as mãos às calças e vai embora, de consciência tranquila, cantarolando que fez justiça.

No dia seguinte vejo deus encharcado de sangue e areia. Não mais é deus, é um mero animal sem raça desfeito debaixo do olhar do novo ser que o destronou e que ri à gargalhada. Não me apetece rir, mas é doce este feitiço quebrado. Tem um ligeiro aroma a vingança, mas cedo me enjoa aquele sabor. Sinto-me deslavada, a apodrecer por dentro. Aquele deus que foi e já não é obrigou-me a sentir-me bem com o espectáculo gratuito, mas não é isto que quero sentir. Dissipo-me, progressivamente, num espectro leve de matéria e pesado de culpa. Não, decidi que não vou gostar de vos ver chorar, sofrer, sangrar. Decidi que quero fechar os olhos e ser maior.

E, talvez, voar.