4.4.07

Peter Pan

De pé, na ilustre varanda soturna do meu apartamento, contemplo a cidade, uma cidade que chamo minha mas que não o é.


A Clarividência está no meu quarto, podre de bêbeda de ideias contraditórias e de soluções impossíveis. Os nossos serões são assim, passados a beber shots de utopias e quimeras impossíveis de atingir. Depois, bêbedos, agarramo-nos um ao outro, a chorar devido à puta da bebida. Choramos porque existem essas tais utopias que são mesmo impossíveis de realizar.



Deixa-a lá estar! Estou tão bem aqui sozinho, no meu canto... Ninguém imagina como uma varanda e uma noite podem fazer a diferença. Ou se calhar até imaginam e há por ai alguém como eu. Não sei... se estiver sozinho digo para mim mesmo que “mais vale sozinho que mal acompanhado” e elevo a minha moral, numa atitude fingida de quem está bem com a vida (já estou habituado).



Divago com os olhos afogados nos prédios, nos carros, nas ruas, no cão do vizinho que caga descontraidamente no jardim, naquela mulher que passa, neste cenário pequeno de varanda. Penso no melhor filme que me definiria. Pergunta infantil e estúpida de quem não tem mais nada que fazer. Eu até tenho que fazer, por isso, vou fazer esta pergunta a mim mesmo. Já fiz. Não se faz nada. Quem diz que fez, é um cão mentiroso. Há coisas que não se fazem, sentem-se. Meu Deus (sim, larga lá o que estás a fazer e ouve aí) como eu sinto! (ok, volta para o teu mistério).



Do alto da minha varanda sinto-me como um Peter Pan de calças de ganga e casaco de cabedal, brinco na orelha, perdido na minha, só minha, Terra do Nunca, o meu paraíso onde não se tem medo de crescer, onde existem tais coisas impossíveis que estaria aqui até ao Apocalipse a descrevê-las. Eu sou assim, o eterno insatisfeito miúdo, dentro duma casca de Capitão Gancho, de cigarrilha com sabor a baunilha, com umas mãos que já escreveram muitas letras e rasgaram muitas folhas e também suportaram o peso da minha cabeça baixada nas horas mais difíceis. Ninguém me conhece! Ninguém sabe como é ser eu! Ninguém se importa! Olhem a minha cara de preocupado. Dou mais um bafo na cigarrilha, como brinde seco a isso!



E continuo de pé na minha varanda. Poderia ser muitos filmes, não só o do Peter Pan. Pergunta, para além de estúpida e infantil, pode ter várias respostas. Não penso mais no assunto. Que ressaca que a Clarividência vai ter amanha! Existem tantas coisas que um gajo pode pensar enquanto fuma calmamente numa noite silenciosa e mágica. Vai mais uma passa?