30.3.07

Escrever bem

Fui hoje de manha ao encontro da Clarividência, no quiosque junto ao café, à beira de minha casa. Depois de uns olhares trocados fomos tomar café, lá ao lado, e aí troquei um bate-papo acesso com ela, por entre tragos na bebida queimada e bafos num cigarro seco. Existe uma coisa que me aflige a alma. O conceito de “escrever bem”. Sim, porque muitos são aqueles que dizem que eu “escrevo bem” e não reconheço esse cunho na minha pessoa quando olho ao espelho.


Pergunto então à Clarividência se ela sabe o que é “escrever bem”… Não! É que, muito sinceramente, a explosão de blogs abertos e a quantidade louca de manifestos escritos que têm vindo a emergir da plebe leva-me a crer que existe uma fonte inesgotável de pensadores escritores por este nosso país de Camões. Mas o que é ser bom escritor? O que é escrever bem? Escrever ou não escrever, eis a questão! A dúvida fica ali a pairar, juntamente com o fumo, e ri-se de mim, a puta!



Mas a Clarividência, sábia como só ela é, devolve-me a pergunta, em jeito de opinião pedida. Digo-lhe o que acho, que escrever bem pode ser assim, inconsequentemente falando na alvorada dos sentidos como uma estrada para uma não-incongruência da perspectiva realística. Ou não… Escrever bem para mim não é empregar grandes palavras artísticas (já não digo caras porque há quem as use milionárias) … Para mim, o pouco que escrevi acima, salgalhada indecifrável, é o que eu, cinicamente, chamo de uma grande e irascível foda literária!



Para mim, escrever bem é a arte da palavra escrita. Passar para o leitor uma vida, várias vidas, uma realidade ou uma pura ficção. Fazer com que o leitor use a sua capacidade para interiorizar uma mensagem que, muitas vezes, é altamente abrangente; e viva uma espécie de filme, a preto e branco, em que o preto é a tinta da caneta e o branco é o papel em que o escritor desenrola a sua magia.



Assim temos poetas, e a arte dos sentidos escritos, e grandes escritores que transpiram sensualidade literária, mesmo mandando alguém para lugares ditos ordinários como “a merda”. Isto é escrever, escrever bem. A magia dos grandes escritores, o seu mais bem guardado segredo, creio eu, está na maneira como escrevem, e não na linguagem usada para escrever. Porque não existe só criatividade na mensagem em si, mas também no como a mensagem é transmitida. Por isso, para mim existem dois escritores. Um deles escreve mal e porcamente, é sujo, traste, um calão que serve como ponto de exclamação quando digo a palavra “merda”, uma base de dados das quais muitos outros são heterónimos. Depois existe o outro escritor, o bom escritor, o ilusionista, o criador de realidades e estados de pensamento, o grande, o qual é raro ver no meio da plebe da qual faço parte. E assim acabo a minha definição de “escrever bem”.


A Clarividência levanta-se no café e bate palmas e grita, a tola! (Está tudo a olhar de résvés) … Sentou-se finalmente, a desgraçada, e revirando os olhos para mim, parafraseia aquele bom escritor (este sim, bom escritor) João Pereira Coutinho que diz que “escrever é uma vigília permanente que transforma a humanidade, a nossa humanidade, numa espécie de luxo a que não nos podemos permitir”.
Diz e escreve… e escreve bem…