5.6.07

O amor é fodido

Mais uma noite em que acordo a meio de sonhos com ela. A Clarividência dorme no quarto ao lado. Fujo à cozinha e refugio-me num whisky com três pedras de gelo e um cigarro a olhar para a noite lá fora.




Miguel Esteves Cardoso diz que “o amor é fodido”. Quantas vezes pensei que este gajo tinha razão... Não sei se é amor o que me faz não conseguir dormir mas é mesmo fodido sonhar com ela e acordar sem a ver. Pergunto-me onde estará ela... Em que sonhos se perde, de mão dada com quem... Hoje está uma noite escura, nem a lua se mostra. Dizem que quando a lua não se mostra é quando está lua nova. Talvez a razão das minhas insónias seja como a lua e, se ela desaparecer de dentro de mim, então talvez eu tenha uma vida nova. Divago e trinco um cubo de gelo. Dá-me arrepios pela espinha acima, numa dor aguda que não é nada comparado com a dor desta insónia recheada de pesadelos.




É fodido ter tanto para dar e nada para receber. Um mundo inteiro de sonhos, de possibilidades, de magia que posso oferecer e esforçar-me ao máximo para não se perder. Tenho o coração em saldos. É fodido ter uma tabuleta na alma a dizer: Trespassa-se. Mas também quem quer um coração colado com fita-cola, todo partido de já ter caído tantas vezes? Quem quer uma alma triste de artista? Apregoo a ela. Sou um marroquino a vender afectos para dar. Mas ela não os quer. Ela não tem culpa. A culpa é do amor que é fodido...



Sem querer, acordei a Clarividência... Desculpa, minha amiga... Não consigo dormir. Queres falar de coisas fodidas? Vamos falar de amor ou de tudo o que se pareça com ele, ok? Ela diz-me baixinho que nada é fodido, que as coisas são como são e que Deus escreve direito por linhas tortas. Que Deus? Onde está ele? Onde está a caneta com que ele escreve? Acho que a tinta lhe falhou quando chegou à parte em que contava a minha história.



Não sejas tonto, diz-me ela. Talvez seja esse o desígnio que ele te deu, andares perdido a gritares apenas para as tuas folhas e para mim, a tua amiga imaginária.



Eu não quero folhas, não te quero a ti, não quero nada disto! Quero que alguém se preocupe comigo assim como eu me preocupo. Quero que alguém me ouça e que me diga que também gosta muito de mim. E esse alguém és tu, minha amiga, mas não é quem eu quero que seja.



A Clarividência volta para o quarto a dizer que eu estou doido. Eu sei... é um estado de doidice que me faz sentir a pior merda do mundo e basta um “bom dia” de alguém para me meter um sorriso nos lábios. É triste. É fodido...



Volto também para a minha cama. Sei que amanha vai ser o mesmo. Passar a sobreviver à espera de um olhar com mais significado. Um toque que diga que me quer ao pé dela. Uma cara que conheço de cor e que tão poucas vezes vejo. Sempre à espera, passar mil e uma noites à espera de algo que não vem...



Adormeço para mais um sonho com ela e uma certeza:



O amor é fodido...